Ela não sofria, não sofreu, porque sentia, sempre, pelos demais, de menos.
Vorph "ги́ря" Valknut
A D. Maria das Dores era bem quista por todos, gabada, molde de exemplo, porque por maiores que fossem os golpes do destino ou dos homens, recebia-os sempre com bons gestos. Nunca se ouviu, dela, queixume, reclamação ou rezas. "Era a vida, o que é que se havia de fazer?" Nem quando o filho se matou na cave. Nem quando o marido lhe espetou um facalhão de cozinha. Estoicamente, por maiores que fossem os provações, as provocações das Parcas, ela galgava-as, impassível, algumas vezes, diga-se em abono da verdade, para lá do humanamente razoável.
Um dia, apareceu-lhe o "bicho" do cancro e foi de vez. Uma noite chamou-me para lhe auscultar o peito, e ao ouvi-lo, desvendei o segredo. A D. Maria das Dores, desde pequenina, sentiu sempre muito pouco, não se lembrando, até, de alguma vez ter tido uma genuína vontade de chorar ou rir. E quando a tal se decidia, fazia-o por vergonha, para não arreliar os pais. Chegou a pensar que na cabeça lhe faltava uma cómoda.
Assim, a tal sobre-humanidade, admirada, da D. Maria das Dores, motivo de tanto elogio, tinha ironicamente origem numa característica inumana, doentia. Ela não sofria, não sofreu, porque sentia, sempre, pelos demais, de menos.
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(Sobre a música)
Poema, Alone, de Edgar Allan Poe, musicado por Ihsahn.
"From childhood’s hour I have not been
As others were—I have not seen
As others saw—I could not bring
My passions from a common spring—
From the same source I have not taken
My sorrow—I could not awaken
My heart to joy at the same tone—
And all I lov’d—I lov’d alone—
Then—in my childhood—in the dawn
Of a most stormy life—was drawn
From ev’ry depth of good and ill
The mystery which binds me still—
From the torrent, or the fountain—
From the red cliff of the mountain—
From the sun that ’round me roll’d
In its autumn tint of gold—
From the lightning in the sky
As it pass’d me flying by—
From the thunder, and the storm—
And the cloud that took the form
(When the rest of Heaven was blue)
Of a demon in my view—"